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Vitória da Conquista

Mulheres ajudaram a construir Vitória da Conquista e continuam a intervir nos destinos do município

Ao longo dos 183 anos de emancipação de política de Vitória da Conquista, há registros históricos de momentos de impasse, nos quais as personagens que desempenham papéis decisivos são mulheres – o que não significa que a sociedade conquistense, como de resto a brasileira, não seja predominantemente orientada por tradições e costumes patriarcais.

Ainda assim, houve mulheres que conseguiram exercer outras formas de poder e influência, a ponto de conseguirem se impor de alguma forma em meio ao predomínio masculino. Em decorrência desse destaque, boa parte delas hoje empresta o nome a ruas, avenidas, praças e bairros da cidade.

Talvez um dos exemplos mais ilustrativos seja a maneira como se deu o desfecho do embate entre Meletes e Peduros, em 1919, considerado um dos mais violentos conflitos entre “coronéis” conquistenses durante a República Velha.

Consta que a rivalidade e as desavenças políticas chegaram a níveis extremos entre o grupo dos Meletes, que reunia oposicionistas liderados pelo coronel Maneca Moreira, e o dos Peduros, no qual militavam os situacionistas, sob o mando do coronel Gugé. A antiga Rua Grande, principal logradouro da então cidade de Conquista, tornou-se uma autêntica praça de guerra durante vários dias, com tiroteios, jagunços entrincheirados e o registro de pessoas mortas e feridas em ambos os lados.

Para pôr fim à contenda e convencer os dois grupos a baixarem as armas, foi decisiva a intervenção de um grupo de mulheres conhecidas na cidade. A forma como elas agiram foi descrita por diferentes estudiosos da história conquistense.

Paulo Ludovico, no texto “Meletes X Peduros: uma luta armada entre pessoas da mesma família”, narra a seguinte cena: “Sem que ninguém esperasse, surge na Praça 15 de Novembro (antes Rua Grande e hoje Barão do Rio Branco), local do tiroteio, um grupo de senhoras – entre outras, Laudicéia Gusmão, Henriqueta Prates e Fulô Roxa – que exige o fim da luta”. O autor acrescenta que, a partir daí, foram iniciadas as negociações sobre um acordo de paz entre os contendores.

No artigo “Câmara Municipal de Vitória da Conquista (Panorama Histórico-Político)”, Fabiana Prado Santos e Ruy Medeiros argumentam que “não fosse a intercessão das ilustres senhoras Laudicéia Gusmão, Henriqueta Prates dos Santos, Eufrosina Freitas Trindade e Joana Angélica Santos, para que a luta cessasse, o saldo de mortos na guerra certamente teria sido bem maior”.

O blog Memória Mulher Conquista dá ainda mais detalhes do ocorrido: “Acompanhada por Henriqueta Prates e outras senhoras da sociedade, Laudiceia saiu às ruas com uma bandeira branca amarrada a um rifle 44 e foi ao encontro dos coronéis Dino Correia e Maneca Moreira, para pedir paz. Diante daquela atitude, os dois homens se deram as mãos e a paz foi selada”.

Elas defenderam a paz

Laudicéia Gusmão
Henriqueta Prates

As “senhoras da sociedade”, como são chamadas nos relatos, eram casadas com homens influentes naquele contexto coronelista, em razão de seu poder econômico. Mas elas também se envolveram em iniciativas nas quais assumiram seu próprio protagonismo. Laudiceia Gusmão (1862-1948), pelo ímpeto com que agiu na resolução do conflito armado, foi chamada de “medianeira da paz”, segundo pesquisadores da história conquistense.

Há relatos de que Laudicéia e sua contemporânea, Henriqueta Prates (1863-1957), durante a década de 1920, fizeram de suas casas pontos de atendimento a crianças e adultos vitimados pela seca e por doenças como a gripe espanhola e a varíola.

Dona Janoca e o esposo Cel Gugé

Joana Angélica dos Santos, conhecida como Dona Janoca, era a esposa de José Fernandes de Oliveira, o coronel Gugé, líder dos Peduros e tido como o mais poderoso dos coronéis da região entre o final do Século 19 e o início do Século 20. A família vivia num sobrado de grandes proporções, construído no local da então Rua Grande (hoje, praça Barão do Rio Branco) onde atualmente funciona a agência do Banco do Brasil. Segundo pesquisadores, o casarão funcionava como centro de discussões políticas e culturais.

Fulô do Panela

Euflozina Trindade (1859-1935), conhecida como Fulô Roxa ou Fulô do Panela, tinha origem diferente da de suas companheiras do grupo que interviu pela paz entre Meletes e Peduros. Segundo memorialistas locais, ela nasceu no então povoado do Panela (hoje Campo Formoso), era filha de uma mulher escravizada com um descendente dos fundadores do Arraial da Conquista e teve cinco filhos de diferentes relacionamentos – um deles com o coronel Gugé. Euflozina era conhecida por seu senso de solidariedade. Entre outras iniciativas, ajudou a criar a Santa Casa de Misericórdia, primeiro hospital da região.

Solidariedade e educação

Embora tenha nascido em Aracatu, Olívia Flores (1894-1976) se destacou como fazendeira e empresária em Vitória da Conquista, para onde se mudou em 1910. Além dos negócios, dedicava-se também às articulações políticas – geralmente, nos bastidores – e à assistência social. Costumava servir café aos presos da cadeia pública, além de financiar viagens de pessoas doentes para tratamento médico em Salvador e de oferecer auxílio a famílias do então povoado de Campinhos.

Olívia Flores…
… e a filha, Dalva Flores

Uma das filhas de Olívia, Dalva Flores (1929-2006), fundou o Abrigo Nosso Lar e costumava organizar campanhas para arrecadar agasalhos e alimentos para pessoas idosas atendidas pela instituição.

Em outros momentos da história local, mulheres se impuseram em contextos diferentes e múltiplos – a exemplo da área educacional, onde atuou a polivalente professora e escritora Heleusa Figueira Câmara (1944-2019), considerada uma das mais importantes intelectuais nascidas em Vitória da Conquista, embora não se apegasse às formalidades da academia.

Heleusa formou-se em Letras em 1981, quando já era mãe de quatro filhos, e se tornou professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), da qual foi vice-reitora de 1991 a 1995.

Ocupou ainda a Secretaria Municipal de Educação, entre 1997 e 2000. Foi presidente da Academia Conquistense de Letras de 1987 a 1990. Em 1992, ajudou a fundar o Comitê Proler/Uesb, um projeto de incentivo à leitura com o qual continuou a colaborar, mesmo após sua aposentadoria, em 2014.

Mulheres na política

Na política institucional, a representatividade feminina sempre foi muito inferior à realidade social de Vitória da Conquista, em termos quantitativos. Desde 1840, por exemplo, o município teve apenas nove vereadoras e duas vice-prefeitas.

Irma Lemos

Assim que assumiu em definitivo o comando da Prefeitura de Vitória da Conquista, em março de 2021, após a morte do prefeito reeleito, Herzem Gusmão, de quem fora vice, a atual prefeita Sheila Lemos tornou-se a segunda mulher a ocupar o cargo no município.

Irma e Sheila Lemos, mãe e filha

Em 2019, durante a primeira gestão de Herzem, a mãe de Sheila, Irma Lemos, já havia se tornado a primeira mulher a chefiar o Poder Executivo em Vitória da Conquista, ao exercer o cargo de forma interina, na condição de vice-prefeita e substituta legal nos casos de ausência do titular.

Ex-deputada Margarida Oliveira

Irma e Sheila Lemos foram as primeiras mulheres a exercerem de fato o cargo de vice-prefeitas, sendo eleitas, respectivamente, nas eleições de 2016 e de 2020. Isso esteve a ponto de acontecer quase trinta anos antes, em 1992, quando José Pedral Sampaio foi eleito para seu terceiro mandato na Prefeitura, tendo como companheira de chapa a então deputada estadual Margarida Oliveira. No entanto, Margarida optou por não assumir o posto de vice e cumprir integralmente seu mandato na Assembleia Legislativa, para o qual fora eleita nas eleições de 1990.

Até hoje, ela é a única mulher de Vitória da Conquista a ter sido eleita deputada estadual. E ostenta ainda outra forma de pioneirismo feminino: foi a primeira a ser candidata à Prefeitura como cabeça de chapa, no pleito de 1982, também vencido por Pedral. Na época, Margarida obteve cerca de 14 mil votos.

No Legislativo, representatividade ainda é baixa

A presença feminina chegou à Câmara Municipal, ainda que de forma tímida, em 1936 – portanto, apenas quatro anos após as brasileiras conquistarem o direito de votarem e serem votadas. Nas eleições municipais daquele ano, Jeny de Oliveira Rosa (1893-1985), conhecida como Dona Zaza, ou Tia Zaza, filha de Dona Janoca e do coronel Gugé – e também considerada, ela própria, uma astuta articuladora política – garantiu o posto de suplente e chegou a exercer o cargo de vereadora.

De lá para cá, seguindo o exemplo de Dona Zaza, passaram pela Câmara as vereadoras Ilza Matos (1937-2019), primeira mulher a ocupar a presidência da Casa, na década de 1970, Helita Figueira, Carmen Lúcia (1949-1998), que hoje dá nome ao plenário da Câmara, Lúcia Rocha, Lygia Matos, Nildma Ribeiro, Viviane Sampaio e Irma Lemos – que, antes de ser eleita vice-prefeita, exerceu três mandatos como vereadora.

Na atual legislatura, são duas vereadoras num universo de 21 parlamentares do sexo masculino – ou seja, algo como 9,5% do total. Enquanto isso, as mulheres representam 53% dos mais de 156 milhões de eleitores brasileiros, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na Bahia, a estatística é semelhante: dos 11,2 milhões de eleitores baianos, 52% são mulheres. Em Vitória da Conquista, há um cenário proporcionalmente parecido, com as mulheres correspondendo a 54% dos quase 251 mil indivíduos aptos a votar.

Em termos de população absoluta, a proporção se mantém praticamente idêntica em todas as instâncias. Dados do Censo Demográfico 2022, recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que as mulheres representam 51,7% dos 14,1 milhões de habitantes da Bahia. No Brasil como um todo, os números se repetem: das mais de 203 milhões de pessoas que vivem no país, 51% são mulheres.

Por fim, o IBGE aponta que as mulheres formam uma maioria similar também em Vitória da Conquista. Segundo o Censo Demográfico 2022, elas correspondem a 52% dos mais de 370,8 mil habitantes da concentração urbana conquistense.

A prefeita Sheila Lemos admira a trajetória das mulheres que se destacaram na história conquistense. “São mulheres fortes, guerreiras, que não se deixaram abater por conta do machismo”, avalia a chefe do Executivo. Empresária e líder de classe, como a mãe Irma, e tendo sentido na pele as adversidades geralmente encontradas por mulheres, quando adentram o universo majoritariamente masculino da política institucional, Sheila afirma que “a mulher pode chegar aonde ela quiser”.

Sheila Lemos

A gestora reconhece que as dificuldades ainda são maiores para o gênero feminino. Mesmo assim, ela se mantém otimista quanto ao aumento da participação das mulheres na política local: “Nossa cidade ainda é muito conservadora. Ainda é uma cidade com uma raiz muito patriarcal. Mas, com o tempo, nós estamos mudando isso. Acredito que, depois de mim, virão muitas outras mulheres que vão ter a honra de governar Vitória da Conquista”, observa.

Fonte: PMVC

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